quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Bobby Fischer - o escudeiro de Caíssa - 8

O dilacerado de Denver
Por Fernando Melo
(continuação)

Não justifica Larsen reclamar do calor, o qual prejudicou suas noites de sono, afetando duramente o seu desempenho no match contra Fischer. É bom saber que a Holanda, Suécia e Espanha eram paises candidatos a sediar o match. Larsen concordeu em ser nos Estados Unidos, em Denver, capital do Estado do Colorado.

Em um artigo após-match Xadrez em Uma Atmosfera Abrasadora, Larsen reclamou que dormia mal por causa do ar seco. Botvinnik contou que, em 1936, num torneio em Moscou, num calor muito forte, ele conseguiu jogar graças à sua juventude, então com 25 anos. Muitas partidas joram jogadas em estado de sonolência. Tudo bem, que o calor prejudica, mas sabia-se de antemão que Larsen não iria vencer o match, por ser Fischer superior. Todavia o dinamarquês mostrava-se confiante. Afinal, foi o único que ganhou para Fischer no Interzonal de Palma de Mallorca, em 1970. E foi também, o primeiro tabuleiro no embate URSS contra Resto do Mundo. Fischer não fez questão de ser o segundo,  jogando cntra Petrosian enquanto Larsen pegou o então campeão do mundo Boris Spassky. Aliás, e por falar em Spassky, este disse que a alegação de calor levantada por Larsen era uma desculpa.
Segundo Kasparov, a primeira partida foi a mais aguda e sem dúvida a mais interessante do match. "Ao invés da sua Siciliana favorita, a qual havia lhe trazido sucesso em Mallorca, Larsen inesperadamente escolheu a Defesa Francesa - uma partida que era "tradicionalmente! difícil para o seu adversário. Botvinnik pouco antes tinha relatado que "Fischer se sentia inseguro com as brancas na Defesa Francesa, e embora essa abertura não seja especialmente boa para as negras, ele frequentemente está em posições difíceis". Entretanto, nessa ocasião tudo terminou de forma diferente.

Gostaria de fazer uma observação, sob minha inteira responsabilidade. No match anterior, quando Larsen enfrentou o alemão Wolfgang Uhlmann, foram jogadas nove partidas, dessas Larsen enfrentou a Francesa três vezes (tendo ganho uma e empatado duas). Todos sabemos que o alemão contra 1.e4 só tem uma resposta 1...e6! Logo, é de ter-se a certeza da preparação de Larsen, no estudo da Defesa Francesa. Nas ulltimas 29 partidas jogadas por Fischer (Palma de Marllorca e Match conrtra Taimanov) o norte-americano não enfrentou uma só vez essa Defesa. Como se não bastasse, Larsen não é de jogar esta Defesa. Admito, então, que Larsen pode ter avaliado que Fischer não se preparou para enfrentar uma Francesa logo na primeira partida, quando era de se esperar Larsen jogar a Siciliana. Terá sido por isso?

Vamos ver essa primeira partida, que mereceu considerações de Kasparov como sendo a melhor do embate e que culminou com os 6x0! 

Fischer - Larsen
Def. Francesa
1ª Partida - Match 1971

1.e4 e6 2.d4 d5 3.Cc3 Bb4
Vejamos o que comenta o GM Yuri Averbach sobre este lance. "Detalhe interessante, esta variante da Defesa Francesa é a arma preferida de Ulhmann, rival recente de Larsen no match pelas quarta de final. Jogando com as brancas, na 3ª e 5ª partidas, desse match, Larsen seguiu 3.Cd2, evitando essa variante." Na verdade, também a 9ª partida, última do match, foi jogada essa mesma variante da 3ª e 5ª partidas. 
4.e5 Ce7 5.a3 Bc3 6.bc c5 7.a4 Cbc6 8.Cf3 Bd7 9.Bd3 Dc7 10.0-0 c4 11.Be2 f6 12.Te1 Cg6
Diz Averbach: "Atividade prematura. Correspondia, rocar agora, e se 13.Ba6 então 13...Tf7,,,Dá a impressão de que Larsen não está suficientemente familiarizado com todas as sutilezas desta variante".
13.Ba3!
"A posição da torre em e1 dá maior força ao sacrifício de peão." (Averbach)
"Um excelente lance de gambito; o roque na ala do rei já não é mais possível para as negras! É possível que o Grande Mestre dinamarquês estivesse esperando por 13.ef?!, mas Fischer já tinha queimado os dedos com Mednis...". (Kasparov).
13...fe
"Arriscado, mais seguro parece 13...0-0-0". (Averbach)
"O otimista Larsen acredita na sua estrela da sorte, de outra forma ele teria mudado de ideia e preferido o mais cauteloso 13...0-0-0..." (Kasparov)
14.de  Cce5 15.Ce5 Ce5 16.Dd4!
"Centralização poderosa" (Kasparov)
"Impede o grande roque (Da7) e ameaça17.Bh5+. (Averbach)
16...Cg6 17.Bh5!
"Outro lance brilhante. As negras teriam ficado satisfeitas com 17.Dg7 0-0-0 ..." (Kasparov)
"Depois de 17.Dg7 0-0-0, as negras dariam um suspiro de alívio. As brancas intensificam a pressão".. (Averbach)
17...Rf7 18.f4!
"É incrível como rapidamente se amontoam as ameaças das brancas; com cada lance Fischer traz uma unidade de guerra para o calor da batalha! Bastava um pequeno atraso - 18.Te5, e as negras teriam tido tempo para esconder o rei e montar uma defesa." (Kasparov)
18...The8 19.f5 ef 20.Dd5+ Rf6   
"A posição exótica do rei negro causa alarme, mas a tarefa das brancas não é nada simples; suas torres e a dama estão ameaçadas pela troca e no momento seus bispos de longo alcance estão na margem do tabuleiro. Fischer teve que investigar muitas variantes pouco claras e longas, e no final, ao nao encontrar uma forma direta de forçar a vitória, decidiu fazer o lance aparentemente mais natural e sólido, mais uma vez confirmando que tais posições irracionais não era o seu forte". (Kasparov)
21.Bf3 Ce5 22.Dd4 Rg6 23.Te5! De5 24.Dd7 Tad8
" Larsen põe suas esperanças no contraataque, porém Fischer pelo visto, havia calculado as iminentes complicações e não teme os fantasmas". (Averbach)
25.Db7 De3+ 26.Rf1 Td2
"Mas isso é um erro fatal. Larsen superestima a sua posição, e uma desilusão amarga o espera ao final de uma variante forçada. Ele deveria retroceder seu rei com 27...Rh7! com jogo perfeitamente satisfatório". (Kasparov) 
27.Dc6+ Te6 28.Bc5!
"Eis aqui a principal carta de triunfo das brancas! Entregando a dama, conservam a vantagem". (Averbach)
28...Tf2+ 29.Rg1 Tg2+ 30.Rg2 Dd2 31.Rh1 Tc6 32.Bc6 
"O resultado da escaramuça tática é um final com um balanço de material incomum. E embora nominalmente o material esteja igual, as brancas têm uma vantagem posicional marcante: seus poderosos bispos juntos com a torre não somente defendem de maneira segura seu rei, mas também estão prontos para começar a perseguição aos peões inimigos, enquanto criam ameaças ao rei preto. O peão a é especialmente importante". (Kasparov)
32... Dc3 33.Tg1 Rf6 34.Ba7
"Num final como este, o peão de a branco cumpre uma função decisiva. Com o potente apoio dos bispos, este marca irresistivelmente para a coroação". (Averbach)
34...g5 35.Bb6 Dc2 36.a5 Db2 37.Bd8+ Re6 38.a6 Da3 39.Bb7  Dc5 40.Tb1 c3 41.Bb6 (1-0) Se 41...c2 42.Te1+ etc.
"É dificil imaginar uma demonstraçção de poder do par de bispos mais impressionante!" (Kasparov). 

Para fechar este capítulo, vejamos algumas considerações de Daniel Johnson, extraídas do seu livro Rei Branco e Rainha Vermelha - Como a Guerra Fria foi disputada no tabuleiro de xadrez. Diz ele:
  "Esperava-se que o match tivesse um resultado bastante apertado, já que o desempenho de Larsen na competição vinha sendo extraordinário e seu histórico contra Fischer era muito melhor do que o de Taimanov. O próprio Larsen esperava não apenas vencer Fischer, como ainda sagrar-se o próximo campeão mundial. O grande dinamarquês comportava-se como um aristocrata, com a nobreza de suas feições refletindo uma sensibilidade refinada e um poderoso intelecto. Infelizmente para ele, Fischer tratou-o com a mesma falta de respeito que dedicara a Taimanov. O primeiro jogo sinalizou o que viria depois. Fischer deu a dama em troca de várias peças e um ataque avassalador, deixando Larsen completamente perdido a respeito de onde errara. Por mais de uma vez Larsen poderia ter empatado, mas lançou-se dessesperadaente em busca da vitória e perdeu. Ele, também, havia sido enfeitiçado por Fischer.
    Quando Larsen abandonou o último jogo, para novo placar de 6 a 0, não apenas os fãs do xadrez, mas o mundo inteiro prestou atenção. Na União Soviética, as transmissões na televisão foram interrompidas pelo anúncio. As notícias vindas de Denver fizeram o "medo de Fischer" subir a um nível de pânico total. Jamais nada parecido havia acontecido na história do xadrez. Pela primeira vez na Guerra Fria, um presidente dos Estados Unidos compreendeu toda a importância do fenômeno Fischer. Embora Richard Nixon soubesse pouco de xadrez, e ligasse menos ainda para o jogo, reagiu rapidamente a uma história que estava despontando na primeia página dos jornais e que mostrava um americano vencendo os soviéticos em seu próprio território...".  


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